Faço parte de um grupo no Centro Cultural São Paulo que discute o futuro da informação, basicamente uma discussão sobre a internet e suas novas possibilidades de uso.No encontro de ontem, conheci uma holandesa e fiquei impressionado com a maneira que ela fala português. A um desatento, como eu estava, ela passaria por nativa sem problemas. Comentei inclusive: “Poucos estrangeiros falam português tão bem assim”. E ela retrucou, de uma forma mais simpática e menos arrogante do pode parecer na minha descrição “Obrigada, pois é, nem mesmo os brasileiros”.
O sentimento de que nem mesmo os brasileiros falam português é forte e difundido. Recentemente, soube que uma escola de idiomas lançou um curso de português para brasileiros (e quem sabe essa mesma escola um dia lance um curso de padre-nosso para o vigário). Assim como sentimos, muitas vezes, que nosso pátria não nos pertence, nossa língua também não.
Todo aluno de Letras ou Línguística já leu “O Preconceito Linguísitico: o que é, como se faz”, do Marcos Bagno (1999/2008) e ficou encantado com o conceito: não há falante nativo que não fale o português. É simplesmente uma questão de prestígio de uma variedade sobre a outra. Aliás, nenhum falante nativo comete erros no idioma, ele manifesta sua variedade.
Sobre essa questão do erro, fui visitar ontem, no Museu da Língua Portuguesa, a exposição “Menas – o certo do errado, o errado do certo”. A exposição ela trabalha o conceito de erro. Aliás, a questão do erro não existe, vou usar “desvio da norma culta”. A exposição trabalha o conceito de desvio da norma como ele deve ser tratado, como um fenômeno da língua, como um objeto de estudo científico. O único porém está no fato da exposição não discutir e não caracterizar quem são os falantes da norma não-culta e o que eles representam socialmente. Desqualificar uma variedade linguística é também desqualificar o seu falante e o grupo social ao qual ele pertence.
Disse que não trabalho com a noção de erro porque, cientificamente, não há erro. Nenhum químico considera uma reação como errada, talvez ele não tenha sido capaz de prevê-la e até hoje não ouvi ninguém dizer “O H2O está errado”; da mesma maneira, nunca ouvi um biólogo reclamar do processo de eliminação do CO2 por uma determinada espécie. Assim, não há porque um estudioso da linguagem considerar uma manifestação da língua como errada.
Entretanto, como todo preconceito, acabar com o linguístico é tarefa de remador de Ben-Hur. Recentemente, no programa Saia Justa, da GNT, ao comentar sobre a exposição, a discussão da filósofa Márcia Tiburi foi: “Qual erro você acha mais constrangedor?”. Se eu pudesse, responderia: “O meu erro mais constrangedor foi ter mantido a televisão ligada tão tarde”
mais:
- A sabedoria da variante popular – Guilherme Bryan, Revista Língua Portuguesa, ed. 54
- Variação e Mudança – Sírio Possenti, Terra Magazine
- Verbete Preconceito linguístico na Wikipédia
- Os demitidos da Língua, Breno Deffanti
Oi, Breno.
ResponderExcluirVisitei seu blog. Estou indicando aos meus alunos.
Uma observação: Quanto ao tema "ERRO", você diz preferir desvio da norma padrão. É uma boa saída.
Eu tenho preferido dizer "afastamento da norma considerada padrão".
Pode ser eufemismo, mas passei a substituir desvio por afastamento, por considerar o possível sentido negativo de "desvio".
Abração
Silvia