análises linguísticas

450px-Dunga061115 Quando se está na graduação, principalmente em Letras, você é atropelado por conceitos que nunca imaginou que pudessem existir. Lembro-me do olhar de todos na minha turma quando discutimos a questão do preconceito linguístico. A questão, durante muito tempo, resumiu-se a: “então podemos falar de qualquer jeito” ou ainda “se o aluno falar pobrema, sem problemas!”

A primeira reação nossa , como alunos, é aceitar esses conceitos, partindo do princípio de que “se são pessoas com pós-doutorado que estão falando, quem sou, um mero pós-vestibular para desconfiar.” Assim, vamos tateando e, de certa forma, usando esses conceitos um pouco no escuro. Lembro-me muito, no curso de Introdução à Linguística, em 2000, que havia entendido muito bem a dicotomia saussuriana de Língua/Linguagem. Durante muitos anos usei essa dicotomia em meus trabalhos, mas pasmem: só fui entender essa dicotomia totalmente no final da graduação.

Outro ´Questão que eu achava que havia compreendido completamente era a questão de tratar a linguagem como um código ou como indeterminada. Pensava “linguagem como um código é o que eu aprendia antes de entrar na faculdade e linguagem como indeterminada é o que eu aprendi depois”. A dicotomia, com o tempo, mostrou-se muito mais complexae, finalmente, eu entendi essa semana o que é conceber a linguagem como um código.

A Folha de São Paulo desta quinta-feira, 13 de maio, publicou um artigo intitulado “Insegurança de Dunga se revela no discurso”, escrito pela fonoaudiólo Marta de Assumpção de Andrada e Silva. Acredito que a fonoaudióloga pretendeu fazer uma análise linguística da fala do Dunga ou até mesmo uma análise do seu discurso ou, ainda, uma análise de sua retórica.

Não sou um especialista em Análise do Discurso, mas acho que AD não se preocupa com as manifestações de insegurança por parte de seus falantes. Aliás, do pouco que aprendi até agora sobre Linguística, acredito que o sentimento psicológico dos falantes no ato de fala não seja relevante. Talvez a psicologia esteja interessada.

Acho que se faz necessário fazer uma pequena análise do que se fala sobre o Dunga na imprensa, o que se fala obre treinadores de seleção na imprensa, o que se fala sobre convocações pré-Copa e o que se fala sobre o dunga como técnico da seleção brasileira em um momento pré-Copa antes de analisar a fala do Dunga na entrevista.

Sobre o Dunga, devemos lembrar que ele nunca teve por parte da imprensa o mesmo tratamento dispensado ao Romário. Após o fracasso na Copa de 90, aquela geração de atletas passou a ser rotulada como atletas da Era Dunga, fazendo dele um arquétipo do jogador sem técnica, burocrático e perdedor. Na verdade, os atletas de Dunga eram a versão do mundo bizarro dos jogadores brasilieros, considerados técnicos, criativos e vencedores.

Os técnicos da seleção brasileira na imprensa sempre foram motivo de contradição, desde João Saldanha. Telê Santana só foi perdoado como técnico depois que ganhou os títulos pelo São Paulo. Talvez o único que gozou de certa admiração dos jornalista foi o técnico Felipão, quase unanimidade nacional pelos títulos conquistados pelo Grêmio e Palmeiras.

As convocações também sempre foram motivos de questionamento. Em 70, deveria se levar o Dadá Maravilha, em 78 o Zico, em 86 o Renato Gaúcho, em 94 o Palhinha, em 98 o Romário, em 2002 o Romário de novo. A verdade é que raramente as convocações agradaram a imprensa esportiva.

O Dunga como técnico da seleção é uma somatória de todos os fatores acima além da expectativa da convocação de  Paulo Henrique Ganso, Neymar, Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos. A relação do treinador com a imprensa nunca foi harmoniosa desde que assumiu o cargo como técnico da seleção. Ele usou como critério de trabalho a dedicação dos jogadores para com a seleção brasileira, assim como sua importância tática. A imprensa usou como critério para a criticar o seu trabalho a convocação de jogadores que estivessem se destacando no momento. Houve momentos em que esses critérios se cruzaram e o treinador deu a crônica esportiva  impressão de que ela seria atendida, como nas convocações do Nilmar, do Diego Souza e do Adriano. Entretanto, um jogo antes da convocação, o treinador não convocou os atletas preferidos da imprensa e uma tensão se instaurou.

Voltando ao artigo, a autora diz que o treinador cometeu dois erros básicos para um bom discurso: primeiro justificar o tom de sua fala, alegando um resfriado e fato de cruzar os braços cruzados o quê, segundo ela, dificultou a criação de um diálogo.

Acho que deveríamos pensar no tipo de entrevista que estava sendo analisada. Geralmente, convocações de seleções não são discutidas em uma mesa com os jornalistas. Elas já vêm prontas e cabe ao treinador ou assessor de imprensa apenas comunicá-las e explicar seus critérios, mas não reconsiderá-las. A dificuldade ao diálogo, acredito, não está na postura corporal do Dunga, mas sim no fato de que não haveria um diálogo justamente pelas circustâncias da entrevista.

A autora justifica que o treinador deveria evitar uma zona de tensão. Primeiro, a zona de tensão já estava criada antes mesmo da entrevista coletiva e acredito que nenhum jornalista esperava um ambiente diferente. Mais dois fatos foram analisados pela autora: a maneira como o treinador usava os braços e como ele dirigia olhar e o “uso de tom quase sempre negativos “Se não gostar de mim...”, “Eu não tenho problema nenhum em responder”, “Vou repetir as palavras que vocês não gostam”.

A autora não estava se referindo à tons, mas a enunciados. Tom, talvez devemos relegá-lo a prosódia e o uso de advérbios negativos não cabe a prosódia. O próprio uso de advérbios de negação não implica em sentidos negativos, depreciativos. Se eu digo “eu não vou te abandonar”, “eu não vou esquecer o seu recado”, não estou implicando situações negativas. Muito pelo contrário, acredito que causaria constrangimento aos jornalistas se o Dunga usasse o enunciado “Eu tenho muitos problemas em responde”

A autora também reclama do uso de “Veja bem”, “Na verdade”, “Olha”, mostrando que o treinador estaria preparando os enunciados que já deveriam estar prontos, já que ele sabe ou deveria saber quais seriam as perguntas do jornalistas. A produção de enunciados na oralidade é diferente da escrita, onde podemos refazer o que temos que escrever. Um enunciado, quando refeito, precede um feito, ou seja, o enunciado anterior colaborá na maneira como a correção posterior será entendida. Ter a reposta pronta não significa estar pronta para enunciá-la. Em uma situação em que a fala será gravada e ecoada, é mais que louvável que se prepare com cuidado a maneira comoo enunciado será feito.

A autora ainda contou que ele errou a conjugação de pesssoa dos verbos várias vezes. Em uma fala, eu também erraria. Também contou quantas vezes ele repetiu os termos “seleção”, “comprometimento”, “responsabilidade”,    “coerência”, “confiança”, “paixão” e “a gente”. O uso desses termos é mais que justificável nesse contexto, a questão é: quais os significados que eles levantam. Quais questões de memória estão implicadas. Talvez essa fosse uma análise linguística mais coerente, e não uma cuja finalidade era reforçar o coro da opinião massificada. O Tostão fez uma boa análise na Folha hoje.

Depois de ler o artigo da fonoaudióloga, entendi o que é conceber a linguagem como código. É concebê-la como acaba e que os significados serão entendidos por todos da mesma forma.

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