"Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de esquerda ou direita. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou essa aberração: a miséria na fatura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e me imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não do cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por esse saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de amorfinar e de já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar."
(Paulo Freire, sempre ensinando. Pedagogia da autonomia, p. 101-102)
Nenhum comentário:
Postar um comentário