Há lendas no vestibular que se perpetuam, principalmente sobre redação. Já contei duas em sala de aula:
A primeira é uma lenda em relação à Fuvest: diz que, em um vestibular qualquer perdido na relação espaço-tempo, o tema era o relógio e maneira como ele nos escraviza. Um sujeito, então, no ápice de sua capacidade criativa, escreveu uma redação com tic-tac. Sim, tic-tacs ao longo das 30 linhas. Reza a lenda que hoje sua redação está pendurada em um quadro na Fuvest ao lado do busto de Napoleão.
A segunda lenda é relacionado ao vestibular da Unicamp, mais um perdido na relação espaço-tempo. O tema, naquela suposta ocasião, era a relação lápis/borracha. Mais uma vez, reza a lenda que o gênio escreveu um tempo inteiro com lápis bem calcado, apagou tudo e, no final, escreveu: "O que o lápis escreve, a borracha apaga". Mais uma vez, diz que sua redação está ao lado da foto de Zeferino Vaz.
Entretanto, eis que surge uma lenda viva. No Vestibular 2012 da Fuvest, cujo o tema é "Participação política: indispensável ou superada?", um sujeito escreveu uma mensagem subliminar: calcando, mais uma vez, o lápis nas letras iniciais de algumas palavras, o autor conseguiu escrever "Fora Rodas, Fora PM", fazendo referência ao atual reitor e à presença da PM no campus devido à morte de alguns estudantes. Diz que a redação desse sujeito ficou entre as vinte melhores do vestibular.
O interessado e curioso que quiser verificar a redação no site da Fuvest não conseguirá fazê-lo, pois a foi retirado do ar, ou seja, ela não faz mais tarde das 20 melhores. A alegação é que poderia influenciar negativamente os estudantes. Concordo, mas também discordo.
Discordo da retirada da redação do site. Sua retirada é maneira de apagar da memória um erro da Fuvest e uma manifestação política de um estudante.
Concordo, no entanto, que ela possa infliuenciar negativamente o aluno. Em primeiro lugar, não é uma redação nota 10 mas, no máximo, nota 8. A estrutura da dissertação - quesito importante na avaliação - é extremamente simples, composta de apenas um parágrafo argumentativo. Talvez seu grande mérito esteja na tese desenvolvida pelo autor, que baseia-se na ideia de que a participação política, nos moldes de como nos é oferecida hoje, é uma forma de alienação.
O que nos importa, entretanto, nessa análise, é a mensagem dita subliminar que o autor pois. Muitos críticos elogiaram a redação dizendo que ela saiu do lugar do comum e que o autor usou da criatividade para posicionar-se criticamente. Vamos por parte:
Se fosse para dar uma nota de verdade, essa seria uma redação nota zero, principalmente por infringir um dos critérios de correção de uma redação, que é a adequação ao gênero. A dissertação de vestibular é um gênero textual extremamente rígido que permite pouquíssimos movimentos e transgressões estilísticas. A estrutura tese-desenvolvimento-conclusão foi estabelecida ao longo de anos de desenvolvimento do gênero e não aconselho o aluno que a transgrida. Assim, não há espaço na estrutura de uma dissertação para uma mensagem subliminar ou qualquer outro tipo de movimento sintático menos ortodoxo.
Provavelmente, mutos me tacharão - talvez até algum dia me taxem - como professor adepto de metodologias bíblicas de ensino mas quando se fala de redação de vestibular, sou contra a criatividade, ainda mais pela maneira como nós concebemos o criativo.
O criativo para nós, hoje, é aquele que samba em cima de uma melancia. Prefiro o criativo que, dentro de um conjunto extremamente rígido de regras, consegue se movimentar com destreza e, algumas vezes, colocar essas regras em tensão. Assim deve ser o comportamento dentro de uma redação para o vestibular: criativo dentro das regras rígidas do gênero.
Link para redação:
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