ainda sobre as cabras, o homossexualismo e a homossexualidade

Acho muito mais produtivo discutir sobre assuntos passados. Primeiro que, no calor das discussões, quase nunca produzimos comentários produtivos, pois baseiam-se em primeiras impressões, que devem ser sempre guardadas a espera do amadurecimento. Segundo que escrever sobre assuntos passados mantém a memória aquecida.
No dia 14/11/12, a Veja - sempre ela - publicou um artigo exdrúxulo (talvez essa seja sua melhor definição) chamado "parada gay, cabra e espinafre", de JR Guzzo [ http://goo.gl/7lVsh ]. Entre outros impropérios, o brilhante jornalista escreveu o seguinte:
Já deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser homossexual era um problema. Não é mais o problema que era, com certeza, mas a verdade é que todo esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua verdadeira natureza – uma questão estritamente pessoal – não vem tendo o sucesso esperado. Na vida política, e só para ficar num caso recente, a rejeição ao homossexualismo [grifos meus]
Em resposta, o deputado federal Jean Willys (PSOL/RJ) escreveu um excelente artigo de repúdio ao texto da revista. Não deterei-me sobre as questões intrínsecas à matéria, pois acredito que o texto do deputado é claro e quem não concorda com ele deveria informar-se um pouco mais sobre as eternas e infindáveis lutas de classe no Brasil. Quero, no entanto, focar em um aspecto sobre a linguagem. Disse o deputado:
Logo no início, Guzzo usa o termo “homossexualismo” e se refere à nossa orientação sexual como “estilo de vida gay”. Com relação ao primeiro, é necessário esclarecer que as orientações sexuais (seja você hétero, lésbica, gay ou bi) não são tendências ideológicas ou políticas nem doenças, de modo que não tem “ismo” nenhum. São orientações da sexualidade, por isso se fala em “homossexualidade”, “heterossexualidade” e “bissexualidade”. Não é uma opção, como alguns acreditam por falta de informação: ninguém escolhe ser homo, hétero ou bi.
Linguisticamente falando, podemos pensar assim: tanto o termo "homossexualismo" quanto "homossexualidade" são formados por derivação sufixal: o primeiro, "homossexual" + "-ismo"; o segundo "homossexual + "-dade". O sufixo "-ismo" em "homossexualismo" é o mesmo que em "profissionalismo", "cubismo" e significa um determinado modo de agir associado a um determinado modo de pensar (que age como pensa um profissional, age por prossifissionalismo). O sufixo "-dade", por sua vez,  indica a qualidade de um indivíduo (a felicilidade é a qualidade de quem é feliz; a homossexualidade é qualidade de quem é homossexual).
Sobre o uso da palavra, concordo e discordo com o deputado em alguns pontos. Discordo do deputado quando ele diz que quem usa o termo "homossexualismo" assume uma postura preconceituosa. Sempre usei a palavra e garanto que nunca fui preconceituoso e até lembro-me de que um dia um aluno me corrigiu dizendo: "Professor, o termo "homossexuahlismo" não existe mais. É "homossexualidade" que se diz". Na ocasião, até disse: "o termo "homossexualismo" existe, é usado e nem sempre denota preconceito".
Entretanto, concordo com o deputado em um aspecto, pois é a interessante que a Língua Portuguesa registre "homossexualismo" e "homossexualidade", mas não registre "heterossexualismo", embora registre "heterossexualidade". No campo das hipóteses, poderíamos pensar: será que a marcação do sufixo "-ismo" não serve para registrar o que é considerado como destoante. Afinal, só falamos sobre "profissionalismo" em ambientes que essa postura não é regular e só falamos de "cubismo" quando essa escola não era dominante.
Toda essa questão remeteu-me direto à Bakhtin que em 'Para uma Filosofia do Ato Responsável' diz que não podemos desassociar a realidade da linguagem e que não iremos encontrar nela retratos de como a sociedade funciona. O que podemos vemos hoje é que as disputas de classe estão sendo registradas na linguagem, pois grupos que antes eram silenciados agora exigem o direito de voz. As nomenclaturas, as definições não são mais dadas de cima para baixo, mas entre seus pares. Não aceitar o termo "homossexualismo" e preferir o termo "homossexulaidade" é um direito da comunidade gay, que diz: Não nos interessa os rótulos que nos foram dados até agora. Seremos nós quem diremos quem somos, como gostaremos de ser chamados e como queremos ser vistos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário