redação da fuvest

A proposta de redação deste ano da Fuvest parece seguir uma tendência desse vestibular e criar uma espécie de trilogia. Espero não estar vendo pelo em ovo, mas de 2007 para cá os temas propostos podem ser divididos em três grandes questões:



  • a questão da alteridade
    • em 2007, o tema era a amizade, ou seja, o outro. a importância do outro como elemento constitutivo da nossa própria história e que "agrega valor" às nossas experiências (ou, ainda, como única possibilidade de constituição de uma experiência;
    • em 2008, o tema não parecia estar muito relacionado ao outro. Entretanto, um olhar mais atento ao tema, nos mostra que a discussão deveria estar centrada no livre acesso à informação disponibilizada pelo outro sem os filtros oficiais (imprensa, escola, ciência, religião). Assim, era como o livre acesso à visão do outro poderia influenciar na maneira como interpretamos o mundo ao nosso redor;
    • em 2009, as discussões sobre as fronteiras evidenciaram a importância do outro. evidente, não o outro individualizado, mas coletivizado. assim, discutia-se as fronteiras entre a minha ética (e de meu grupo) e a ética dos outros; a fronteira entre a minha concepção de ciência e a concepção de ciência do outro.
  • a questão da atuação sobre a realidade:
    • em 2010, a discussão não era apenas sobre o poder das imagens, mas como as imagens - ou o excesso de exposição a imagens, ícones, avatares - moldam a nossa percepção da realidade;
    • em 2011, o tema versava sobre a nossa atuação desinteressada sobre a realidade, ou seja, o altruísmo;
    • em 2012, por sua vez, o vestibular discutia a nossa relação com a política partidária, que é uma das várias formas de atuação sobre a realidade.
  • a questão da relação com o capital:
    • em 2013, finalmente, a Fuvest pedia para que o aluno discutisse se o consumo era realmente capaz de prover felicidade e satisfação;
    • e em 2014, a discussão é sobre aqueles que já estão fora da cadeia produtiva, os idosos.
A proposta da Fuvest, assim, pedia para que o aluno discutisse o papel/valor dos idosos como um grupo fora da cadeia produtiva e a maneira como a sociedade o valorava. Claro, evidente, os idosos considerados fora da cadeia produtiva são aqueles cuja capacidade de gerar valor material foi moída como naqueles moedores de cana que extraem o suco e deixam apenas o bagaço. O texto motivador da proposta de redação era uma reportagem sobre a postura do ministro japonês Taro Aso que indignou-se com o fato do Estado ser responsável por arcar o cuidado com os idosos. Sobre o texto, algumas observações poderiam ser feitas:
Em primeiro lugar, o ministro não desvalorizou os idosos, mas a obrigatoriedade do Estado em sustentá-lo. Devemos sempre lembrar que a sociedade japonesa é uma sociedade envelhecida e que o Estado japonês gasta muito para sustentá-lo. Além disso, devemos observar que não era um ministro qualquer, mas sim o ministro da Fazenda. Assim, o efeito que tal declaração produz é conscientizar os aposentados do peso que eles exercem sobre as finanças do país.
Em segundo lugar, tal declaração produz um paradoxo, pois a cultura japonesa é reconhecida pela valorização do papel do idoso como responsável pela manutenção das tradições. Assim, a ideia é: o papel do idoso na sociedade mantém-se, mas não a obrigação do Estado em sustentá-lo. Aliás, é importante notar que as declarações do ministro não encontraram eco na sociedade japonesa, já que ele foi criticado e teve que admitir que era uma declaração de punho pessoal.
Além das questões (suas motivações, seus aspectos éticos, sociais e econômicos), o aluno deveria discutir se esse era um evento isolado ou não, como ela seria replicada no contexto brasileiro e como os jovens encaram os idosos.
A seguir, um comentário tentando prever alguns aspectos da grade de correção.
No primeiro parágrafo, seria interessante dizer que o valor do indivíduo na sociedade hipercapitalista está associado ao seu poder de consumo associado à sua capacidade de produção de riquezas. Os idosos, por consumirem pouco e produzirem menos ainda, seriam desvalorizados e quase esquecidos. A tese poderia ser que o papel do idoso na sociedade está atrelado ao quanto ele ainda é capaz de produzir, gerar renda e consumo.Como segundo parágrafo, é importante dizer que a função do idoso,  de ser a referência na manutenção dos costumes e tradições em uma sociedade, está sendo relegada a segundo plano pois as próprias tradições estão perdendo o seu valor. Além do mais, na cultura da obsolescência programada, da cultura pop, o que importa é o novo ou o novo repaginado (o vintage) pronto para o consumo. Assim, resta ao idoso incorporar-se (e não ser incorporado) à sociedade de consumo para não correr o risco de se tornar descartável.No terceiro parágrafo, poderíamos dizer que o Brasil segue o modelo de consumo hipercapitalista, então as questões descritas no parágrafo anterior continuam válidas. Entretanto, só agora, com o seu envelhecimento, a sociedade brasileira começa a questionar o valor que dá ao idoso. Nós ainda não sabemos como trataremos o idoso: se por um lado, cada dia mais valorizamos o "ser/permanecer jovem", por outro criamos programas como "viaje na terceira idade" que, apesar de tímido, mostra uma outra perspectiva da sociedade para com o idoso.E, finalmente, no quarto parágrafo, a tese poderia ser ampliada dizendo que o idoso não é um problema da sociedade, mas um elemento constitutivo dela.
No final, a proposta de redação da Fuvest não foi diferente das anteriores. Basta, agora, ver o que o futuro reserva.

3 comentários:

  1. Oi, professor!
    Tudo bem? Finalmente achei o seu blog! Sou a Ana Luiza, do 2°B. Conversamos hoje mesmo sobre blogs e eu te passei o link do meu para você dar uma fuçada. Vou dar uma lida nos seus posts aqui agora que achei, rs. Espero que goste do meu blog!
    Abraços,
    Ana
    http://coisasafiins.blogspot.com

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