a fuvest e o rei do camarote

Em 2005, a FUVEST fez um mea culpa com tema de redação sobre o movimento de descatracalização da vida, pois o próprio vestibular é uma catraca quase intransponível para o acesso à universidade. esse ano, mais uma vez, o tema segue a mesma orientação: debater sobre a camarotização da sociedade e lembrar que a universidade pública é um dos camarotes mais confortáveis e exclusivos.


No geral, não há motivo para choro por parte da maioria dos candidatos. O tema desse ano foi bastante generoso na sua coletânea de textos e se o aluno souber lê-las da maneira atenta e que obedecer ao esquema padrão das estruturas textuais, garantirá no mínimo 70% da nota.

A coletânea foi composta por quatro textos. O primeiro, do professor Michael Sendel, falava da camarotização dos estádios e, consequentemente, da sociedade americana. Esse texto da coletânea pode ser considerado como uma armadilha para o candidato caso ele fizesse uma analogia direta às novas arenas construídas para a Copa do Mundo no Brasil, reduzindo, assim o tema (devemos lembrar que esse foi um dos temas discutidos durante a copa, principalmente no jogo de abertura da copa, quando questionamos quem eram as pessoas na plateia que vaiaram a presidenta Dilma). Assim, o texto da coletânea era apenas para explicar o conceito - ótimo conceito, por sinal.

O segundo texto adaptava o conceito para a realidade brasileira, mostrando que o camarote pode ser considerado como uma metáfora da nossa segregação social. essa coletânea foi um deleite para o candidato, já que qualquer um minimamente consciente da realidade que o cerca é capaz de selecionar uma dúzia de exemplos. O terceiro texto, por sua vez, debatia o fenômeno das alas vips e mostrava seu aspecto nada inocente, que resulta não da necessidade de um consumo qualificado, mas segregado e excludente. O quarto tema falava especificamente sobre a ensino público e mostrava um aspecto utópico da escola pública brasileira antes da sua expansão e tentava mostrar o quanto ela era valorizada. (Gostaria de fazer um comentário sobre o esse elemento da coletânea: a informação contida nesse texto é equivocada: a escola pública de qualidade era para poucos, para as elites. Apenas as vagas que 'sobravam' eram destinadas para aquilo que pudemos chamar de uma proto-classe média brasileira da época)

Na redação da FUVEST, é importante que o aluno mostre um rico repertório de referências culturais e teóricas. um debate viável é o quanto os serviços públicos estão sendo reduzidos em pró da iniciativa privada (SUS dando espaço para os planos de saúde, áreas de lazer dando espaço para shopping centers, universidades públicas dando espaço para para universidades privadas). Outro debate possível é quanto os elementos de consumo - com a ascensão da famosa Classe C - funcionam como elementos de ampliação da extratificação social (a presença de concierges, o fenômeno gourmet).

Sobre as referências teóricas, o livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre é um interessante. o aluno poderia dizer que o camarote é uma reorganização da casa-grande e da senzala. evidente, o frequentador do camarote não pode ser considerado como dono daqueles que não o frequentam, mas ele é quem determina - por enquanto - o acesso a direitos básicos.
para terminar, um bom modelo de redação seria esse:


  • 1o parágrafo: introdução: explicar o que significa a palavra camarote, mostrando que essa organização não é inocente e sim uma tentativa de diferenciação social; tese: camarotização como uma reorganização ou releitura da organização social brasileira baseada na casa-grande e na senzala.
  • 2o parágrafo: ampliar o conceito debatido na tese, mostrando que os frequentadores da casa-grande/camarote não são mais proprietários dos moradores da senzala, mas ainda são capazes de tudo para controlar a dinâmica da nossa sociedade.
  • 3o parágrafo: como exemplo, usaria o acesso às universidades públicas, explicando o quanto negligenciamos o acesso à universidade pública, principalmente depois da universalização do acesso à universidade privada.
  • 4o parágrafo: faria um retorno à tese, fechando com a música "A Cidade", do Chico Science & Nação Zumbi (A cidade não pára / A cidade só cresce / O de cima sobe / E o de baixo desce).

Enfim, o tema desse ano foi muito mais acessível ao candidato e os textos da coletânea, mais generosos. Vamos esperar, agora, as notas e a divulgação das melhores redações para que possamos entender melhor os critérios de correção.

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