e a responsabilidade de imprensa?

Depois dos ataques ao Charlie Heddo, do leitor do jornal de empregos ao editor do Planete Diário, não há um único sujeito que não tivesse falado, ou melhor, bradado, de pé num caixote, defendendo a liberdade de imprensa e expressão. É um sentimento unânime e, como diria Nélson Rodrigues, carrega uma burrice intrínseca. Há um texto do Sakamoto que problematiza essa questão e que merece ser lido.

Na frança, muitos foram às ruas, arriscaram-se pela liberdade de expressão e de imprensa e, sinceramente, tenho certeza que muitos no Brasil fariam o mesmo. O que impressiona-me, no entanto, é que ninguém cobra a responsabilidade da imprensa sobre seus enunciados: é como se imprensa fosse aqueles meninos mimados que podem tudo e devem nada.

Hoje, nos tempos de ausência de responsabilidade, a última moda é apagar post, tweet, seja lá o que for. O primeiro que chamou minha atenção foi do Rodrigo Constantino, que apagou um post raivoso com crítcas à jornalista Miriam Leitão. No tal post, Constantino questionava o pedido de desculpas que a jornalista esperava do exército por ter sido torturada durante a ditadura. Segundo ele, o pedido de desculpas seria legítimo desde que ela se desculpasse aos desserviço à nação pela sua atuação militância comunista na juventude. (é como se ele dissesse: você mereceu ser torturada!) orientado pelos editores da Veja, ele decidiu apagar o post.

Houve um outro caso recentemente:

Hidelgar Angel é filha de Zuzu Angel (a Angélica) e, consequentemente, irmã de Stuart Angel Jones. Ela possui um blog sobre tudo e mais um pouco: moda, requinte, bastidores da política e cotidiano. No blog, o último artigo foi especialmente polêmico. alarmada com a onde crescente de violência no Rio de Janeiro, escreveu o seguinte (a reprodução é do 'Diário do Centro do Mundo'):
O caos já se instalou no Rio, o poder público precisa coragem para agir à altura dele 
Certamente por maior que seja nosso efetivo policial, ele jamais será grande o suficiente para reprimir as hordas e hordas de jovens assaltantes e arruaceiros, que geram intranquilidade atacando cariocas e turistas nesses arrastões do verão no Rio de Janeiro.
É uma crise grave. O poder público não pode nem deve ser titubeante. Há momentos em que ele precisa ser enérgico e corajoso o suficiente para tomar medidas necessárias que desagradem. A população não pode estar sujeita ao medo, à violência, ao vandalismo desenfreados. Há ações que necessitam ser implementadas. Certamente os especialistas sabem quais são, mas sugerir não ofende.
1 – Em tais dias de grande concentração de pessoas nas ruas e praias, nos fins de semana e feriados do verão, diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de Metro no fluxo Zona Norte – Zona Sul, estimulando o aumento do fluxo Zona Norte – Zona Oeste, para haver uma distribuição mais equilibrada da população das praias. Barra, Recreio, São Conrado têm praias imensas, lindas. Modo de evitar concentrações opressivas.
2 – Caso essa providência não alcance resultado, partir para um plano B radical: cobrar entrada nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon. Isso pode soar com estranheza para os cariocas, que sempre tiveram a praia gratuita, mas no exterior é a normalidade. Preços módicos, naturalmente.
As medidas são antipáticas e discriminatórias, concordo. Mas ou é isso ou será o caos. Ou melhor, o caos já é. Daí pra pior.
É desnecessário dizer o quanto o posicionamento da jornalista é discriminatório (ela mesma concorda), o quanto ele dialoga com outros textos também preconceituosos. Entretanto, a questão não será essa. gostaria de discutir se essa fórmula mágica de apagar posts. deletar um post significa dizer que ele jamais existiu, libertando o autor da responsabilidade sobre seus enunciados?

De acordo com Bakhtin (in: 'Para uma filosofia do ato responsável' e 'Arte e Responsabilidade'), o sujeito é responsável pelos seus enunciados porque todo enunciado insere-se dialogicamente em uma cadeia de enunciados e, consequentemente, o sujeito é eticamente responsável por ele. Não há um não-álibi para os sujeitos em relação aos enunciados que ele produz. Assim, apesar ser apenas mais um elo em uma cadeia de outros enunciados, o meu enunciado é único (só pode ser enunciado por mim naquele momento específico), irrepetível (somente eu posso reproduzir um enunciado meu com a minha entonação) e, portanto, de minha total responsabilidade.

Um exemplo é quando o sujeito conta uma piada preconceituosa. provavelmente, não foi ele quem criou a piada e o talvez o sujeito, no seu cotidiano, não dialogue com os preconceitos que a piada carrega ou denuncia, no entanto, ao enunciá-la, ele torna-se responsável pelas interpretações que possam surgir, como ser considerado racista pela piada contada.

Entretanto, apagar um post não significa que o enunciado deixou de existir. (Ao contrário!) o enunciado, quando produzido, encaixa-se em uma corrente: é uma resposta aos enunciados anteriormente produzidos e uma motivação para os que serão gerados. por exemplo, o mesmo sujeito que contou uma piada racista no exemplo anterior só a contou porque no momento de sua produção havia enunciados anteriores que autorizavam o ato de contar a piada. A partir do momento em que a piada foi contada, ela abriu caminho para novos enunciados gerados pela piada. no caso dos posts apagados, eles automaticamente geraram comentários, queixas, concordâncias e discordâncias. Ou seja, geraram contra-palavras, não eximindo o autor dos post de suas responsabilidades.


Na verdade, o máximo que os autores conseguiram ao apagar os posts foi dificultar o acesso a les. os significados, a indignação - e o por que não? - as concordâncias, já foram geradas. Em alguns casos, os textos foram circular em outros sites. é preferível, no final das contas, que seus autores entendam que os significados associados aos textos não são eternos, nem imutáveis. Se o texto atingiu um significado que não era o esperado, refaça-o, resignifique-o e, principalmente, que assumam seus significados.

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