“Nem tanto ao céu, tem tanto à terra” é uma das expressões que mais gosto, depóis de “que a força esteja com você”. Definitivamente, sou contra o radicalismo por considerá-lo redutor dos problemas e pouco eficiente na hora de criar soluções. Na pesquisa científica e na prática pedagógica, o equilíbrio entre romper com status vigente e aceitar a impossibillidade da mudança é o ideal.
O ideal não significa o mais fácil.
Concordo que em determinados momentos o rompimento com a verdade vigente foi fundamental para o avanço da ciência, mas o excesso de radicalismo acaba banalizando as mudanças.
Não quis, no post anterior, sugerir que todas as questões relativas às dificuldades de aprendizagem são de causa social, que não há patologia de nenhuma espécie. Da mesma maneira que nem tudo é patológico, nem tudo não é patológico.
A tese de dourado de PESTUN (2001) fala de Dislexia Disfonética ou Fonológica, Dislexia Diseidética (problema de desordem visual), a Dislexia Mista e a Dislexia de Desenvolvimento; já a tese de KEIRALLA (1994) fala de Dislexia Adquirida e Dislexia da Evoluçâo. Prefiro a definição da segunda. Explico:
Tanto KEIRALLA quanto PESTUN classificam a dislexia através da presença ou não de lesões: se tem, PESTUN usa a classificação de Disfonética, Diseidética ou Mista e KEIRALLA, Dislxeia Adquirida; se não tem lesão PESTUN classifica como Dislexia do Desenvolvimento e KEIRALLA como Dislexia da Evolução.
A questão para mim é: PESTUN define Dislexia Disfonética como a dificuldades em estabelecer a relação direta entre grafema e fonema e Dislexia Diseidética como um problema de ordem visual. Para mim, tanto uma quanto outra são problemas de linguagem. É como nas afasias: não há problema no processamento dos sons ou na sua produção: o problema que às areas do cérebros atingidas em lesão são áreas que comprometem o funcionamento da linguagem como um todo, não apenas em um de seus níveis. Eis uma questão importante para mim, tratar a questão da dislexia como uma questão de linguagem.
A dislexia devido a lesões cerebrais existe, é fato. Guardo muitas restrições à respeito de como ela é vista pela àrea médica, que não a entende como uma questão de linguagem. A questão da lesão - ou de uma disfunção, podemos até dizer – também deve ser vista com ressalva: devido a grande plasticidade cerebral do cérebro de uma criança, fica difícil falar em afasias e a mesma ordem serve para a dislexia: um cérebro de um sujeito quando criança não é o mesmo cérebro de um sujeito quando adulto e uma criança com dislexia adquirida não será necessáriamente um adulto disléxico.
O que questiono sempre é a Dislexia do Desenvolvimento ou de Evolução, pois são doenças que só se manifestam na escola. Ir à escola é como ir ao teatro, ao clube, ao estádio ou ao bar: não há uma doença que impessa um sujeito de ir ao teatro. “Não posso ir como vocês porque tenho teatroxia.” Uma pessoa que não se sente bem no teatro tem provavelmente algum trauma relativo às questões abordadas nas peças: se o sujeito nutre desejos sexuais pela mãe, talvez sinta-se incomodado em assistir Édipo-Rei ou Álbum de Família; um sujeito com claustrofobia se sentirá mal em um teatro pequeno e lotado, mas todas essas manifestações podem ocorrer em outros contextos e a claustrofobia pode acabar se manifestando no box do banheiro ou dentro de um elevador. O que eu quero dizer é: ir à escola é uma prática social e cultural. Durante milênios o homem nunca foi a escola e, portanto, nunca teve Dislexia da Evolução. Não há como a escola ter causado uma nova doença e o máximo que pode acontecer é que doenças já existentes manifestem-se de forma diferente na escola.
Lembro-me de um caso que aconteceu no colégio particular onde trabalhava em 2008. Havia um aluno, o Juquinha (nome fictício), da 6a série, que faltamente repetiria de ano. Se em 2009 o Fluminense estivesse tão mal como o Juquinha no , ele jamais escaparia do rebaixamento. Mas, assim como o time do Fluminense não era ruim, o Juquinha não era burro.
Ele fora adotado pelos pais quando tinha 4 anos e mal falava. Antes de entrar no colégio, estudara e fora alfabetizado em escola pública. Portanto, temos dois antecedentes relevantes: uma adoção tardia, o desenvolvimento tardio da fala e o fato de frequentar uma instituição que historicamente não está preparada para enfrentar tal questão. No colégio particular, o Juquinha só fazia as tarefas em última instância e ficava disperso na maior parte da aula. Observação: da mesma maneira que falei que o sistema público não estava capacitado para trabalhar com o Juquinha, devo fazer um mea culpa e dizer: o colégio onde trabalhava também não.
Certo dia, chego na sala dos professores e a coordenadora entrega para mim para os outros professores do Juquinha um evelope remetido por seus pais. Era uma série de coisas relacionadas à dislexia do menina. Digo uma série de coisas porque aquilo que recebemos não era exames e muito menos um laudo médico. O envolope continha um atestado do psicopedagogo dizendo que o Juquinha tinha um QI normal, que não apresentava nenhum problema senão um atraso no seu desenvolvimento. Pensei: “Se eu tivesse sido adotado somente aos quatro anos, eu também teria”. Quantos aos outros documentos, eram apenas cópais autênticadas de jornais falando sobre dislexia.
O que havia no envelope que os pais do Juquinha nos remeteu era uma tentativa de nos convencer que o menino tinha dislexia e nos forçar a aprová-lo. Eles não agiram de má fé, mas motivados pelo fato de tudo que se refere à dislexia do desenvolvimento poder ser atribuído a uma alfabetização ineficiente.
É óbvio que Juquinha era um aluno de exclusão: se ele teve um desenvolvimento tardio da fala, faltamente teria um desenvolvimento tardio da escrita. Nunca frequentou uma escola capaz de respeitar e adequar-se às suas necessidades e não estava frequentando naquele momento.
O esforço dos pais foi em vão: Juquinha acabou repetindo de ano e como a escola não atendeu às suas especificidades, em 2009 foi para recuperação de novo.
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