quem quer ser um disléxico?

Estava falando do Juquinha e da tentativa de seus pais em categorizá-lo como disléxico. E mais uma vez: não quero culpá-los, pois talvez esse fosse o útlimo recurso que dispunham para chamar a atençao da escola para seu filho. O problema é que eles foram atrás do profissinal errado, pois é muito fácil fazer de um aluno normal um disléxico.

O aluno portador de dislexia específica da evolução é aquele que teve ou uma alfabetização tardia ou irregular. É aluno que no período de alfabetização não teve suas características respeitadas. Foi alfabetizado por algum método que não soube respeitar suas condições sociais, psicológicas ou até mesmo motoras. Enfim, foi o aluno vítima do sistema de exclusão escolar. É óbvio que ele terá muito mais dificuldades em desempenhar as tarefas escolares que outros alunos.

Um aluno que vive em lugar sem acesso à revista em quadrinhos, materias paradidáticos, filho de pais analfabetos terá muito mais dificuldade que o aluno que nasce imerso em material de leitura de todos os tipos, pais alfabetizados e tudo mais. A alfabetização não acontece apenas nos cadernos de caligrafias, lápis número 2 e cartilhas, mas sim em casa, quando o aluno entra em contato com o material escrito que faz parte do seu cotidiano.

O improvável leitor desse blog deve ser cuidadoso ao questionar o que eu disse retrucando: em uma cidade como São Paulo dispomos de maravilhosas bibliotecas e de escola com acervo de livros infantis, revistas em quadrinhos e tudo mais. Concordo e discordo, pois a São Paulo desses lugares maravilhosos está à disposição dos que moram nos bairros mais centrais ou dos que dispoem de dinheiro para o metrô. E Cidade Ademar? Cidade Líder? Será que dispoem de bibliotecas que realmente estimulam a leitura? Apesar de sermos bombardeados diariamente por um otimismo econômico, devemos lembrar que o Brasil, na maior parte de sua imensidão, é pobre e sem acesso à cultura. O Brasil, quer queiramos ou não, é mais uma Cidade Ademar do que Vila Madalena.

O aluno com necessidades educacionais especias não é taxado de disléxico pelo professor exclusivamente. Como se fosse um escoteiro, ele deve passar etapas, que no caso inclui um profissional de saúde, geralmente um neurologista ou um fonoaudiólogo.

Recentemente li em uma tese de dourado (permitam-me falar do milagre sem falar do santo) de um neurologista do Departamento de Neurologia da Unicamp. O objetivo do trabalho era avaliar alunos com Dislexia do Desenvolvimento através de provas neuropsicológicas, pedagógicas e outros exames complementares. A metodologia de trabalho constituia-se em analisar 47 crianças, de 8 a 13 anos, da 2a série do 10 grau de uma escola pública em Campinas. As crianças foram divididas em dois grupos: um grupo composto por crianças com dificuldades de aprendizagem e outro composto por crianças que não tinham dificuldades de aprendizagem ou, usando um termo que não existia no trabalho, um grupo que apresentava um desempenho escolar padrão. O trabalho da pesquisadora era comparar o desempenho de cada grupo. Ah: o trabalho não era diagnosticar as crianças, pois o grupo composto por crianças com dificuldades de aprendizagem já estava diagnosticado com Dislexia do Desenvolvimento/Evolução.

O principal critério para definição de um disléxico foi a leitura em voz alta. O aluno que lesse errado, não transpondo corretamente o grafema que lê para o fonema que falará e que não entendesse depois o que leu já ganhava uma estrelinha de disléxico.

Faço ressalvas. Particularmente, sou contra o ensino de unidades linguística isoladas fora do seu contexto. Cuidado com o significado de contexto: o que eu quero dizer é que sou contra o ensino do som e significado de um fonema fora do contexto de um morfema; o ensino do significado de morfema fora do contexto da palavra; a palavras fora do contexto da frase e o ensino da frase fora do contexto do enunciado e o enunciado fora do contexto do discurso. A escola faz isso:

fonema → morfema → palavra → frase → enunciado → discurso (às vezes ela esquece do morfema, do enunciado e do discurso)

sou a favor do contrário

discurso → enunciado → frase → palavra → morfema → fonema

Mas o que é fazer a transposição grafema - fonema? É pedir para que o aluno leia "tábua de tira ao alvo" e não "tauba de tiro ao alváro", mostrando que sabe a distinção entre letra e som. Acontece que as crianças não nascem sabendo que há diferença entre letra e som e, ao contrário, sua primeira tentativa é estabelecer, principalmente na leitura oral, essa relação. Questionar a relação letra/som não é problema, faz parte do processo de aprendizagem. Pode-se questionar: mas uma criança de 11 anos já deveria saber estabalecer os parâmetros dessa relação corretamente. E eu digo: leitura é uma questão de milhagem. Se a criança X lê corretamente e tem acesso a leitura, não devemos esperar que a criança Y, sem acesso à leitura, tenha o mesmo desempenho.

O interessante que a definição de aluno com dislexia de evolução é aquele que não consegue a fazer a distinção grafema-fonema e a tese toda foca nesta parte do aprendizado: ditado, identificação de pseudopalavras e, só por último, interpretação de texto, que deveria na verdade ser o foco do processo de ensino da leitura. Devemos ter bem claro em nossas mentes: ler corretamente não é ler; ler corretamente é como saber fazer embaixadinhas: mostra habilidade, mas não serve para o jogo de futebol. Paulo Freire já dizia: a leitura do mundo deve preceder a leitura da palavra. Assim, deveria ser considerado disléxico o aluno não conseguisse transpor um texto para a sua realidade social.

O problema é que nos testes para quantificação e avaliação do processo de aprendizagem, a leitura de mundo não entra em questão. Os textos usados para avaliar os alunos são sempre anacrônicos e os procedimentos em testes não fazem parte das situações de uso da leiutra e escrita. Os testes, assim como as atividades escolares tradicionais, elas são metafóricas. Explico: elas representam uma situação de uso da escrita ou da leitura. Por exemplo: ensina-se ao aluno um ditado porque um dia alguém poderá ditar uma carta para ele. Particularmente, eu acho que um teste deveria ser metonímico: a partir de extrato do cotidiano, uma atividade deveria ser desenvolvida. Se a questão é o grafema/fonema, por que não uma música ou uma poesia, que realmente se preocupam com essa relação.

Quero dizer o seguinte: é muito fácil diagnosticar um aluno com dislexia do desenvolvimento: é só transformar as características do processo de aprendizagem em sintomas. Particularmente, eu só caracterizaria um aluno como disléxico se, por exemplo, ele bater com um sorvete na testa quando eu pedir para que ele escreva um texto qualquer.

Alguns textos que li:

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