sobre a redação da Fuvest

Como havia previsto, o tema da redação da Fuvest seguiu a tendência da Unicamp e da Vunesp e foi fácil. Ou melhor, foi acessível. Explico: a questão do consumismo, diferente de outros temas, é debatido constantemente em jornais, revistas, filmes e papo entre amigos. Aos 17 ou 18 anos, o sujeito já tem repertório suficiente para discutir o assunto.
Quando o tema é fácil, a probabilidade da média das notas subir é alta, pois apenas o aluno que passou os séculos XIX e XX em coma é incapaz de discutir esse tema. Espera-se, ainda, que um aluno de segunda fase da Fuvest domine a estrutura padrão da dissertação. Assim, mais do que nunca, o aluno deve fugir de argumentos baseados no senso comum, nas ideias prontas e em posicionamentos ideológicos imaturos: teses como "o consumo não traz felicidade" não são eficientes e não agregam nota.
O consumo fez parte do perfil da sociedade moderna e continua a fazer parte da sociedade contemporânea. Pós-modernos que somos, minimizamos a importânica do posicionamento e participação política e desconfiamos da onipresença de Deus e das religiões. A arte nos parece suspeita, pois não conseguimos diferencia com certeza o que é artístico, do que é entretenimento e do que é consumo.
Sobra, então, o consumo como um dos elementos mais influentes para a constituição da nossa identidade. Aliás, o termo 'identidade' concorre com o termo 'estilo' e 'atitude', que por sua vez está sempre associado à efemeridade da moda. Até à identidade das cidades não está mais associada a marcos arquitetônicos públicos, como parques, igrejas ou praças, mas a shopping centers. Assim, argumentar pelo fim do consumismo é ingênuo.
Ao planejar a sua redação, o aluno deveria ter notado que o tema foi organizado a partir de uma propaganda. Como em todo texto, principalmente na propaganda, não é apenas o verbal que conta, mas também aspectos não-verbais constituídos por elementos semióticos e discursivos. O texto da coletânea constituia-se por uma frase Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão X. Discursivamente falando, podemos  pensar que associar o consumo com o cartão de crédito é mostrar que o consumo é visto como um ato, muitas vezes, mágico, sem a neceissidade de dinheiro, apenas de crédito. Passamos um cartão de crédito como se fizéssemos movimentos mágicos com uma varinha e digitamos senhas como se balbuceássemos palavras mágicas. A foto da propaganda mostra um ambiente racional, limpo, organizado, agradável e exclusivo. A arquitetura do local - uma galeria, um shopping ou um grande magazine - sugere que o consumo propcia uma espécie de paraíso na terra, um oasis no meio do caos e das incertezas que a sociedade e as grandes cidades produzem. O espaço não lotado e organizado retratado na propaganda propõe que o consumo insere o indivíduo dentro da sociedade, o massifica, mas, paradoxalmente e contraditoriamente, o diferencia dos demais.
Como é comum nas propostas de redação da Fuvest, a tese não poderia estar associada a uma solução ou uma proposta de intervenção na questão do consumismo, apenas a maneira como o aluno enxerga o assunto

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