O Festival dos Diagnósticos ou A Festa das Desculpas Esfarrapadas

O cotidiano de toda escola é marcado por eventos: feiras culturais, exposições, performances musicais, performances teatrais, festas juninas, festas do sorvete entre várias. Particularmente, considero esses eventos interessantes porque conseguimos ver o aluno para além do uniforme que ele veste. Abismados, percebemos nossos alunos talentos que vão muito além do velho e gasto implorar por arredondamentos na notas. São eventos que, muitas vezes, humanizam o trabalho escolar. (Evidente que não me refiro a eventos cuja importância única é fazer com que o diretor da escola socialize com os pais e mostre: está vendo como gastamos bem o seu dinheiro). No fim do ano, entretanto, na época da inquisi, digo, do conselho de classe, há um outro festival, mais deprimente e patético (é incrível como os adjetvos deprimentes e patéticos combinam): O Festival dos Diagnósticos.
O Festival dos Diagnósticos não acontece apenas no fim do ano, mas também no começo do ano. Se for no final do ano, o Festival dos Diagnósticos serve como se fosse um kamikase desesperado, um último recurso contra a reprovação iminente. Geralmente, o diagnóstico é o último recurso quando todos os sinais ao longo do ano foram ignorados, pois o desempenho ruim de um aluno não acontece apenas no final do ano, mas é o resultado de insucessos acumulados e ignorados. Quando um pai percebe que não deu a devida atenção ao filho ao longo do ano, o diagnóstico é um recurso triunfante, aquele que possibilitará à familia férias justas e consciências anestesiada. Agora, quando o Festival dos Diagnósticos acontece no começo do ano, funciona como se fosse uma desculpa antecipada às omissões e ao consequente fracasso dos filhos: é como se dissessem: há um alíbi para o fracasso do meu filho. E o que se diagnostica? Diagnostica-se (é importante o uso reflexivo do verbo) tudo, principalmente dislexia e TDAH.
A cultura da medicamentalização e da patologização atinge no Brasil níveis vergonhosos. De acordo com COLLARES & MOYSÉs, em um artigo de 2011, em 2000 foram vendidas mais de 71000 caixas de Ritalina ou Concerta, medicamentos para amansar crianças, e em 2008 esse número passou para 2 milhões de caixas. Desconsiderando o aumento populacional (que não deve ter sido tão proporcionalmente expressivo) e o aumento do número de crianças matriculadas nas escolas (que não foi tão expressivo assim), temos é que o número de casos diagnosticados aumentou e a pergunta que deve ser feita é: os números de casos aumentou porque os diagnósticos passaram a ser mais precisos ou por que os diagnósticos passaram a ser mais abrangentes e generalizadores?
Para responder essa pergunta, o artigo "Por que as crianças francesas não tem Déficit de Atenção" possa nos dar pistas interessantes. De acordo com o artigo, "os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança."
A matéria compara a maneira como os psiquiatras franceses e estadunidenses tratam do mesmo problema, o TDAH. Tal qual os estadunidenses, os pais, professores e médicos brasileiros preferem cortar o mal pela raiz e fazer uso imediato de medicamentos, ao invés de investigarem os fatores envolvidos em provável fracasso escolar. Entretanto, nessa situação, não existe o "cortar o mal pela raiz" mas, sim, o "empurrar o problema com a barriga", já que em muitos casos o uso de medicação talvez impeça  que o aluno repita de ano, mas não que ele fracasse na escola.
Entretanto, evidente, que há casos em que se aplica o uso de medicamentos. Entretanto, estamos falando de uma minoria que não precisa de pesquisas para ser sensível identificada. Nos outros casos, a medicação é um paleativo não para o aluno com dificuldades de aprendizagem mas - como diria KEIRALLA em sua tese de doutorado -, mas para um sistema de ensino que tem dificuldades de ensinar.

Links:

- Por que as crianças francesas não tem Déficit de Atenção - http://goo.gl/5kbH8;
Um olhar para além das dificuldades de leitura e escrita revela sobre a família, escola e prescrição médica (Sônia Bordin) http://goo.gl/szOPv
Sujeitos com dificuldades de aprendizagem X sistema escolar com dificuldades de ensino (Keiralla) - http://goo.gl/RIN79
A Transformação do Espaço Pedagógico em Espaço Clínico (A Patologização da Educação) (Collares & Moysés) - http://goo.gl/gFRUX

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